Cido - Artista Poveiro

Dulcídio marques (cido)

… remeto a Deus o muito recebido e o dom da minha arte eu Lhe agradeço.

Nasceu na Póvoa de Varzim em 1932 no seio de uma família poveira – os Rio d’Ave – com fortes tradições culturais e profundamente cristã. Assume esse legado cultural, muito acarinhado e transmitido pelo lado materno e pela mãe Alexandrina, em particular, que marcou o seu percurso de vida ainda pautado por uma sensibilidade e uma atenção invulgar para a beleza tangível da natureza, das paisagens, das gentes e para marcas e manifestações imateriais.

A Póvoa da sua infância e juventude, lugar de urbanidade e da modernidade própria dos espaços de veraneio marítimo, dos banhos, do casino, dos passeios, dos cafés, do comércio, marcou o seu gosto por um certo estilo de vida. Na Concha Azul, estabelecimento comercial da família à rua da Junqueira, desenvolveu as suas qualidades artísticas, muito cedo demonstradas nas suas brincadeiras de infância, fazendo-o antecipar a necessidade de um mundo mais vasto, o que o motiva, ainda jovem adulto, a sair para o Rio de Janeiro.

Também a Póvoa das tradições culturais, das festas pagãs e dos rituais cristãos de profunda religiosidade e solenidade, do Colégio das Doroteias, dos Jesuítas da Igreja do Coração de Jesus, dos escuteiros, o marcou particularmente ao nível da música, da representação e da arte sacra. Os ambientes e cerimoniais religiosos e a arte a eles associada, como a paramentaria, os frontais de altares, os livros iluminados ou a imaginária, influenciaram, decisivamente, a sua expressão artística o que lhe permitiu trabalhar, durante três anos, na Casa Sucena, então a maior casa de arte sacra do Rio de Janeiro e, assim, afirmar o seu talento e iniciar a sua autonomia profissional.

Foi ainda a Póvoa do mar, dos areais e penedias, dos campos e pinhais que serviu de inspiração para formas artísticas que, baseadas no mesmo princípio criador da sua arte sacra, se revela exclusiva. Conchas, sargaços, troncos, sementes, asas de insectos, micas, calcários, penas, são elementos essenciais das suas obras. Com as coisas que o mar me dá, e tantas outras da Natureza, de mestria e sensibilidade estética superior, vai criando obras únicas, de invulgar distinção. A pintura é uma expressão central na sua manifestação artística que se cruza com a escultura, a arte aplicada e o bordado. A minúcia, o pormenor, o rigor das suas obras refletem o talento natural, a criatividade, o saber das técnicas e o conhecimento maturado da cultura e das várias tradições, em particular, aquelas que, presentes na sua infância e juventude, forjaram uma sensibilidade e curiosidade excecional para o belo e para a perfeição.

Já em Portugal trabalha para várias litografias – Litografia do Minho, em Braga, Litografia Âmbar, Durão Rodrigues e Litografia Maia, no Porto – onde se inicia e especializa nas artes gráficas, tendo produzido variadíssimos trabalhos de significativa divulgação e impacto. Mas será no seu espaço privado que produzirá muitas das obras que hoje mais identificam o seu trabalho, nomeadamente ao nível da pintura e iluminura e da arte aplicada e que motivaram, a partir de 1982, algumas exposições individuais e colectivas. Um dos trabalhos que mais caracteriza a sua obra é o pergaminho, presente no Vaticano, que serviu como petição ao Papa Paulo VI para a criação da Diocese de Viana do Castelo. Em 1997 mereceu o 1º Prémio na Feira Nacional de Artesanato de Vila do Conde, com um presépio em sargaço, hoje pertença da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim.

O seu gosto pelas artes estende-se à música e à representação. Com quinze anos, e a convite do professor Alberto Marta, integra o Coral da Póvoa ligado à igreja Matriz. Mais tarde, a 19 de Março de 1952, fundou o coro da Capela Marta, dirigido por Antoninho Marta, confirmando as suas capacidades como cantor, frequentemente solista, um gosto que se inicia aos doze anos quando cantou pela primeira vez no salão de teatro do Casino. Integrou, ainda, o Orfeão da Póvoa de Varzim, e já no Porto, o coral Convivium Cantorum da Capela das Almas, e o Círculo Portuense de Ópera tendo participado nas óperas Carmen, La Traviata, Madame Butterfly e na cantata Carmina Burana, sendo figuras marcantes do seu percurso os maestros Manuel Ivo Cruz e Resende Dias. Mais tarde, grava músicas a solo, cantando a Póvoa de Varzim, através da edição de CD’s. Como sempre refere, ‘ foi a dar voz às canções que dei sentido à vida’. Levou a sua voz a países como França, Reino Unido, Itália, Brasil e Canadá. No Euro 2004 deu voz à música de incentivo e homenagem à seleção nacional de futebol.

A oportunidade de presenciar as filmagens do filme Ala-Arriba! (1942), de Leitão de Barros, e de nele figurar iniciam-no, ainda criança, ao mundo e ao prazer da representação, tendo participado como actor na opereta Os Poveiros, de José de Sá e partitura de Alberto Gomes. Mais tarde na opereta Maria, também de José de Sá e música de Domingos Gomes de Pinho desempenhou o papel de actor, encenador e director artístico.

Em Braga, integrou durante vários anos o grupo folclórico Dr. Gonçalo Sampaio, então dirigido pelo Professor Mota Leite, motivado não só pelo gosto pela dança mas também pela apreciação do valor e do rigor colocados na recolha etnográfica, quer ao nível do cancioneiro minhoto quer dos modos de trajar e dançar.

Já no Porto, e para além destas participações regulares, encena, organiza e dirige espetáculos de música, dança e representação, apresentando-as ao público em diferentes contextos, na associação com instituições e grupos, nomeadamente com Pedro Homem de Mello. Participa em cortejos etnográficos e organiza espectáculos e saraus no Clube Fenianos Portuense, Associação Católica do Porto e Ateneu Comercial do Porto. Na Capela das Almas encena as “Horas de Maria”. Na Igreja da Lapa concebe a encenação da “Via Cruccis de Lizst”, a “Sinfonia da Paixão” (Op.23) e o “O Caminho da Cruz” (Op.29), obras para órgão de Marcel Dupré. Os quadros vivos do Rosário no encerramento do mês de maio, mês de Maria e as celebrações de Natal, com a encenação das meditações do “Nascimento do Senhor” e o presépio vivo. Os romeiros da Senhora da Lapa são também da sua autoria.

Na rádio, animou a equipa de “A Voz dos Ridículos”, programa dominical de grande sucesso nos anos oitenta. Foi também convidado a participar em inúmeros programas de televisão e da rádio, na RDP Antena 1, Rádio Renascença e Rádio Comercial.

Convidado pela Alliance Française para dirigir e encenar o Festival Internacional de Canções do Mar e dos Marinheiros, no Rivoli, organiza um grupo com músicas e danças tradicionais a que deu o nome de “Póvoa do Mar”. Contou com as participações do grupo folclórico poveiro e de um coro dirigido por Adelino Mota, contracenando com o melhor grupo francês de canções de marinheiros “Cabestan”.

Continua a dedicar-se ao canto e às artes plásticas, destacando-se os trabalhos de Arte Aplicada em curso, para o interior da Igreja Matriz da Póvoa de Varzim.